Contenda





Às vezes
Tenho comigo
Súbitas desavenças:

Acredito nas minhas dúvidas
E duvido de minhas  crenças.

Para onde voam os passarinhos



                                                                   
 
Andando nas matas
nos quintais
ou  nas fazendas
        
vemos os passarinhos
flutuando no alto
sonoros e serenos.

O que nunca vemos
é passarinho morrendo
( de morte livre, ao menos).

Nunca vemos
fechar-se um voo
e o corpinho desalar-se
sobre o duro terreno.

Mas, se não são perenes,
e se não caem secos
de canto e de penas
sobre o pó que sabemos,

como é que se ex-alam
esses bichinhos  a-menos?

Será que se decantam
de tanto  canto
e se embalsamam no ar?

Ou será ainda
que para eles
morrer é um voar
que nunca finda?

Ou será que a alma
dos passarinhos
leva os leves corpinhos
para o alto mais alto
que não vemos?

Talvez não exista mesmo
no mundo elevado dos passarinhos
a gravidade rasteira da morte,

por isso nunca os vemos
tombar sobre o nosso chão
e jamais sabemos:

para  onde voam os passarinhos
depois que vivem?

Rio Morto




Olhar um rio seco
é sabê-lo morto
e enterrado
em seu próprio leito.

Ver o leito seco
de um rio peco
é ver em sua cova
os sinais da morte


que nada e se desova
campeia e manobra
onde só sobram
rastos de ratos e cobras.

Ver um ex-rio
em sua vala de pó
é saber que bocas
ocas e fundas
morderam-lhe as veias
e sugaram-lhe, sem dó,
gota a gota,
suas águas todas,
todo o seu ser. 

Com um rio morto
morrem, além das águas,
outras vidas:
morrem algas,
limos e peixes;
morrem frutos,
flores, espigas,
ninhos e voos
e tudo o que viceja
pelas margens verdes. 

E morreram ainda,
com o rio findo,
outras esperanças...
morreram regatos,
cacimbas e lagos.

Por falta d'água
morreram crianças!

Quando se vê
um rio morto
sabe-se logo que
não foi morte natural,
pois toda fonte nasce e vive
para sempre correr
até seu destino final,
que é o céu das águas,
o mar.

Ver um rio morto
como deprime!

E saber:
se não há condenados,

há o abominável crime!

(poema inédito em livro)

FAZENDA







No fundo do quintal
corria um rego
de águas friinhas.

As galinhas bicavam
pedacinhos de águas
e agradeciam.

Os canarinhos
pintavam de amarelo
os verdes do terreiro,
pareciam árvores
bordadas de estrelas.

Eu tinha alegrias
e medos.

Um dia um beija-flor
bicou-me os dedos:

nasceu-me poesia
desde os cabelos.

Éden







O que Adão comeu
na manhã primeva
não foi maçã
nem uva


foi a ruiva vulva da Eva.