Cena


Hoje eu vi um menino

catando numa lata de lixo
um pedaço duro de pão.

Meu olhar úmido

de lata meu coração

e a mão do pequeno

me revolvendo por dentro
me provocando a náusea
da fome e suas causas. 

Tive ímpeto da avançar 

sobre o serzinho rabugento
e arrancar-lhe dos dedos

aquele resto sujo da minha indignidade!


(poema publicado na antologia poética Pedras de Minas - Poemas Gerais, p.144)

Musa


Essa mulher

deitou-se no poema
com sua aura de deusa
e seu corpo de fêmea
e foi possuída
por palavras hirtas
e metáforas tensas.
E sujeitou-se à pena
a musa indefesa. 


(poema publicado na antologia poética Pedras de Minas - Poemas Gerais, p.230. Sofreu pequenas alterações nesta postagem)

Rebanho de Sonhos


Meu rebanho de sonhos
desce vales, sobe montanhas,
bebe brisas, come castanhas,
inventa sendas e sombras.

Meu rebanho de sonhos
feito brancas ovelhas
- lã de neve e luar -
lambe lumes de estrelas
e rumina tempo, devagar.


Meu rebanho de sonhos
segue aromas de amoras
e rumores de amores
nas redomas do sono.

Meu rebanho de sonhos
não sei para onde sai
nem sei de onde vem,
como nuvem se esvai

ao léu sob o véu do além.

(poema inédito em livro)

Criador


O poeta                

que sou

foi o menino

que fui

quem o criou.

(poema inédito em livro)

Confiança



A última casinha
no fim do arraial
abriga um velho sozinho

(os filhos se mudaram,
a mulher já lhe morreu).

Ele ficou ali
a olhar o caminho
para algum lugar.

Mas ainda cuida do tempo
que amadurece todo dia
em seu quintal

e sempre diz:
enquanto Deus for servido,
eu vou tocando a vida.

E diz isso confiante
com o olhar de quem sabe
para onde.

(poema inédito em livro)

Tecido


De que tecido 
é feito o silêncio?

A solidão é seu tear.

Mas é tão frágil,
tão tênue, tão ralo,

que até uma simples ideia
se põe a rasgá-lo.

(Poema retirado da antologia poética Pedras de Minas - Poemas Gerais, p. 217)

Salve o Silêncio


Salve o silêncio!
Uma rosa vai se abrir
neste momento
em algum lugar

é preciso ouvir

o perfume no ar.