Mensagem (das operadoras de celular para seus clientes)

Perdoem-me, meus leitores, essa bobeirinha:

OI
é CLARO
que VIVO
TIM
enganando.

HÁ COISAS


Há coisas que a vida ensina a esquecer
para que não fiquem doendo as retinas
cansadas de esperar para rever
imagens que nos chegam pequeninas:
o galo cantando ao amanhecer,
o gado manso pastando as campinas,
o pai galopando ao entardecer,
a mãe rezando à luz das lamparinas.
Para que não fiquem doendo as retinas
há coisas que a vida manda esquecer:
mangas maduras lá nas verdes grimpas,
olhos d'água que pegam a correr
numa dessas manhãs de chuvas finas
em que o menino quer adoecer.

(poema publicado na antologia Pedras de Minas - Poemas Gerais, p.186)

Os cavalos domados de Luiz Ruffato


Estou postando uma resenha que fiz sobre o Romance do Luiz Ruffato, Eles eram muitos cavalos. Espero que sirva de estímulo para a leitura deste fabuloso texto de um dos melhores escritores brasileiros da atualidade.



Eles eram muitos cavalos, de Luiz Ruffato, é um livro surpreendente. Mais: é um romance terrível, instigante, envolvente.
Surpreendente pela sua inusitada estruturação, que, como muito bem anota o escritor Sérgio Sant’Anna, na orelha do volume, funde “as melhores virtualidades do conto e do romance. Uma obra com o olhar abrangente e romanesco sobre uma diversidade de cenas e personagens interligados e, ao mesmo tempo, em seus episódios, o impacto do gênero conto, com a elaboração de uma linguagem condensada que aproxima o conto mais moderno, cheio de invenção, da poesia”.
De certo, Luiz Ruffato não é o primeiro escritor a romper com a estrutura tradicional do romance, aquele com início, meio e fim, com a trama evoluindo num clima de tensão para um clímax e desfecho, como ensinavam os compêndios de literatura. Já vem de algum tempo a tendência para um novo modelo de narrativa, fugindo ao velho esquema, sobretudo o da oposição entre protagonista e antagonista, que se intrigavam em disputa por um amor ou por terras ou por poder. Até mesmo a velha questão maniqueísta da disputa entre o bem e o mal parece não dar mais o tom de contos, novelas e romances.
Mas o que realmente surpreende e constitui uma saudável inovação neste livro do Ruffato é que os personagens entram e saem de cena rapidamente e uma única vez. E mesmo que aparentemente não tenham relação uns com os outros, estão sim interligados por um fio tênue, quase indizível, que os alinhava num painel humano social e, sobretudo, dramático. Os diversos episódios vão se sucedendo, como pequenos relatos, numa espécie de mini-contos, mas, ao mesmo tempo, vão compondo um to(l)do narrativo multifacetado, em que as partes tecem a realidade dramática, feita de ações (e suas conseqüências), de intenções e tensões, de angústias, pressões (sociais) e depressões individuais.
Essa teia em cujos fios andam, vivem, convivem, sobre ou subvivem, sofrem, amam, desamam-se, agridem-se..., teia em que uns se tornam presas fáceis, outras aprendem artimanhas e destilam venenos, mas onde há também vida pulsando nas vias urbanas, nas veias humanas, onde há também lampejos de solidariedade, de bondade e de poesia, essa imensa teia que se chama cidade, megalópole... Tanto que Sérgio Sant”Anna afirma: “Tomado em seu todo, se poderia dizer que a personagem principal de (...) Cavalos é a cidade de São Paulo, como se contempla do mais alto de seus edifícios ou do avião que se aproxima, à noite, dos aeroportos de Congonhas ou Cumbica.”
Ah! Como deveria ser inocente, provinciana a “Paulicéia Desvairada”, de Mário de Andrade, diante da São Paulo atual, retratada por Ruffato, mas que em muitos aspectos já incomodava o poeta modernista, que aliás já denunciava em seus poemas o risco da perda da individualidade, além de injustiça social, de preconceitos, pois ele já anteviu, ou viu mesmo naquela, a cidade como máquina de “dentes” a triturar as pessoas. Nesse sentido, o livro de Ruffato bem que poderia trazer epígrafe de Mário de Andrade, pois certamente há um parentesco, ainda que distante, com o Paulicéia Desvairada. Merecem menção os seguintes versos: “Giram homens fracos, baixos, magros.../ Serpentinas de entes frementes a se desenrolar.../ Estes homens de São Paulo. Todos iguais e desiguais/ Quando vivem dentro dos meus olhos tão ricos/ Parecem uns macacos, uns macacos.” (do poema “Cortejos”, Paulicéia Desvairada). Possivelmente Luiz Ruffato não tenha se inspirado nas preocupações de Mário de Andrade com o burburinho e as peripécias do cotidiano da capital paulista nos idos de 1920. E, claro, não se pode comparar a vida frenética, o ritmo alucinado e, às vezes, caótico dos dias atuais com aqueles em que os iconoclastas modernistas viveram, quando ainda não fervilhava nas ruas de São Paulo a multidão de pessoas, nem circulavam pelas ruas e avenidas a avalanche de automóveis. Nem os problemas de hoje se espelham nos daquela época, quando certamente não havia as filas quilométricas por emprego, os assaltos e seqüestros, o tráfico de drogas, o sexo anunciado como mercadoria nos jornais. Fica, porém, a lembrança da afinidade entre os dois textos, e se houve alguma intencionalidade do autor de Eles eram muitos cavalos, não significa demérito, mas, antes, busca e realização de um projeto literário rico e afinado com o que de melhor se produziu na literatura nacional. Ao evocar o extraordinário poema de Cecília Meireles (“Romance LXXXIV OU DOS CAVALOS DA INCOFIDÊNCIA”, do livro Romanceiro da Inconfidência) do qual toma emprestado o verso do título, o autor já enuncia, de saída, o seu projeto de um texto plurissignificativo, feito de alusões, de conotações, portanto de múltiplas possibilidades.
Retomando a questão do personagem principal, segundo a visão de Sérgio Sant’Anna, sem querer contestar sua opinião, ocorre-me que o personagem principal pode (também) ser o próprio narrador, que aparece explicitado (eu narrador e eu narrado) em poucos episódios. E levanto essa hipótese por pensar que ninguém narra fatos dessa ordem (poderia dizer: ninguém escreve um livro desses, mas não se deve confundir – manda a boa cartilha crítica – autor com narrador) e sai incólume, imparcial, sem sangrar sua sensibilidade, e mesmo sua dor parceira, nas tintas das páginas. Por isso, usei o adjetivo terrível. A escolha das cenas e dos cenários, a apropriação desse universo ao mesmo tempo íntimo, individual, e coletivo, social, urbano, já entremostra o desafio do narrador de se entranhar na dor e no sofrimento, nos sentimentos e emoções de suas criaturas, de revirar-lhes o avesso, de percorrer seus labirintos psíquicos. Além da escolha, há a forma de narrar, elíptica, densa, tensa e intensa, a denotar o envolvimento do autor, que extrai de cada episódio a carga mais dramática (e traumática), numa linguagem apropriada propositadamente a esse objetivo. E, se procede essa minha leitura, confirma-a o texto intitulado “Noite” (p. 131), em que o narrador, em primeira pessoa, embora nomeado Humberto, se coloca como sujeito da ação e acaba por confessar sua impotência diante da realidade (sugerida) que o atormenta: “ (... não vai passar nunca esse mal-estar, nunca essa sensação de inutilidade, Marina!, Marina!, e sigo sussurrando, suspirando o hálito sufocante da gasolina.)”
Envolvente, ainda, porque o leitor, pelo princípio da intersubjetividade artística, se vê preso ao emaranhado teor das situações, que são, na verdade, conhecidas suas, alguns por experimentá-las na própria pele, outros por assistir a elas, a olho nu no corre-corre das ruas, ou nas telas da tv ou por lê-las nas páginas dos jornais.
Instigante, o outro adjetivo suscitado, porque o autor vai aproximando os atores nessa rede de intrigas, como se estivesse fazendo uma reportagem ao vivo da vida na cidade, trazendo o foco do alto, da distância (o romance começa com a visão panorâmica, de quem olha a cidade de cima, quando o avião se aproxima para o pouso) para fixá-lo depois no chão áspero do cotidiano até jogá-lo dentro dos olhos de cada ser abordado e, por extensão, dentro da consciência do leitor. Instigante, por fim, porque o livro é um convite à reflexão crítica e à sensibilidade artística, além da humana. Ou pelo menos um convite à busca de entendimento da linha incolor e frágil que costura as relações humanas e sociais destes dias atribulados, especialmente nas grandes cidades.
Mas, resta indagar: se o livro narra, quase como se fizesse uma reportagem, fatos que, por mais cruéis que possam parecer, se tornaram corriqueiros para nós, como atestar, então, o seu poder de fascínio, a sua vibrante energia literária, que prende a atenção do leitor e o sacode, com uma carga elétrica, da inércia e da indiferença? A resposta é que isso só é possível aos bons escritores, que sabem transformar matéria bruta em arte. Machado de Assis, por exemplo, não transformou o batido e ancestral tema do ciúme num dos romances mais geniais da literatura universal, em D. Casmurro?
Luiz Ruffato procede assim, pois não apenas narra, mas imprime aos fatos uma visão – e uma versão – sutil e pungente, sugerindo, insinuando novas e intricadas realidades. O citado texto “Noite” bem que pode ser tomado como síntese da proposta do livro: “Entreolho-a por sobre as páginas do Estado de São Paulo: (sugestão de um entreolhar que vê, cria, mostra, nas entrelinhas, uma supra-realidade, além da mera realidade exposta nas bancas de jornal). E prossegue: “e ela come estupidamente, metafisicamente (...)” (a junção dos dois advérbios é bastante sintomática).
Todo o arcabouço tra(u)mático do romance vem à tona com o corte preciso da linguagem, matéria-prima da literatura, que se constrói, a propósito, com metáforas, metonímias, elipses, interrupções, num ritmo adequado ao conteúdo, às vezes acelerado, em galopes, às vezes sôfrego, entrecortado, mas sempre domado pela mão sábia de quem domina as rédeas desses cavalos. E eles eram muitos cavalos.

Estive em Lisboa














Estive em Lisboa
e no Café à Brasileira
sentei-me ao lado
de Fernando Pessoa.

De início quis dizer-lhe
um poema meu
feito a imagem
e semelhança de um seu

mas faltou-me coragem
de romper o silêncio
de sua alma distante
de sua aura serena
(alheia ao corpo de bronze,
naquela manhã
pouco antes das onze).

No entanto,
soube ouvir-lhe
a resposta
(como quem
pouco gosta)

que toda poesia
vale a pena
se a alma (que a criou)
não é pequena.

De resto me senti intruso
que ele me pareceu confuso
com tantos foolturistas
a explorar-lhe a companhia
para uma mera fotografia.

Saí dali desconsolado
sem ter conhecido
nenhum poeta atual
que desse notícia de Portugal.

E saí com uma lição à toa
e com pensamento sem tom:

que já não se fazem lá
poetas como Pessoa
como não se fazem cá
poetas como Drummond.

Mas me consola o fato
de ter ido a Lisboa
e de ter estado sentando
onde pensava o poeta
Fernando, em Pessoa.